25/03/2008

Eu estava lá!

Sábado, 16 de fevereiro de 2008, um dia como outro qualquer. Eu estava em São Paulo, trabalhando. Naquele dia comum uma coisa estava me tirando o sono: o jogo do Flamengo contra o Vasco, semifinal da Taça Guanabara. A expectativa para o domingo era de casa cheia no Maracanã. Eu queria muito assistir ao jogo. Procurei bares, lanchonetes e não encontrei um só lugar que fosse transmitir a decisão carioca pela TV.

Eis que me surge a idéia de viajar ao Rio de Janeiro para vê o jogo. Logicamente descartei-a de imediato. Ainda que fosse um jogo qualquer, mas era um Flamengo e Vasco. Um clássico diferente que tem vários ingredientes de violência e fanatismo. Sem contar que o último encontro entre os times ficou marcado pela morte de um torcedor rubro-negro. Ameaças e provocações já corriam a internet. Dá medo até de pensar.

Mas naquela noite não consegui dormir. As horas não passavam. O corpo enlouqueceu, dei até febre. Uma estranha sensação dominava minha alma. Sabe aqueles fantasminhas que aparecem nos desenhos de Tom & Jerry? Eles estavam lá, um em cada ombro. Foi uma noite longa. Razão e emoção travavam um duelo sem regras. O relógio já marcava 04:30h quando tomei a decisão: eu ia para o jogo.

Mas ir com quem? Nem adiantava chamar meus amigos, sabia que nenhum iria. Passaram o dia anterior me convencendo da idiotice que era viajar para vê o Flamengo perder. De comboio também não é bom negócio. Emboscadas sempre ocorrem com as organizadas. O negócio era pegar a estrada sozinho. Para não acordar ninguém, nem me dei o trabalho de tomar café-da-manhã. Lavei o rosto, escovei os dentes e me mandei às 05:00h.

São Paulo ainda estava escura. Mais fria que o normal. Para chegar ao metrô na Estação São Bento tive que atravessar o viaduto Santa Ifigênia até a praça do mosteiro. Eu tremia muito, acho que era uma mistura de frio e medo. Aquela altura, a idéia de viajar, sozinho, para o Rio de Janeiro, única e exclusivamente pelo Flamengo, não me pareceu muito inteligente. Porém era tarde pra desistir. Minha honra também estava em jogo.

Na estação do metrô havia pouca gente. Peguei a linha sentido Jabacuara-Tucuruví e desci na estação Portuguesa-Tietê, ponto da Rodoviária de São Paulo. Comprei uma passagem para às 06:00h. Fui para o portão e o ônibus saiu pontualmente. O trajeto São Paulo-Rio dura exatas seis horas e é muito interessante. A geografia acidentada me chamou atenção, deve ter dado muito trabalho cortar todas aquelas serras para construir a Via Dutra. É incrível o número de fábricas, restaurantes, hotéis e fazendas. Quase não existe trecho desocupado.

Cheguei ao Rio ao meio-dia. A rodoviária carioca é uma Torre de Babel: gente de tudo que é jeito, de todas as cores e estilos. Pertinho existe uma parada final de ônibus coletivo. Peguei o 266 que me deixou ao lado do Maracanã. O jogo era às 16:00h, mas meu medo era descer do lado da torcida vascaína, o que acabou acontecendo. Discretamente comprei por R$40 meu ingresso para a arquibancada setor branco e dei toda a volta no estádio. A entrada da torcida, digamos, neutra, é na frente do Maracanã, ao lado da estátua do Belline.

O portão só iria abrir às 14:00h, então me encostei num vendedor de cerveja e fiquei tirando onda de ambulante.

- Quem vai querer?! Quem vai querer?! Cerveja geladinha, só três real.

O cara me contou que no jogo Fluminense e Botafogo, que havia acontecido no dia anterior, o pau tinha quebrado. Fiquei triplamente desconfiado. E começou a chegar gente e mais gente, cada um mais maluco que outro. O cheiro de maconha rolava pelo ar, mas havia alguns policiais montados a cavalo e outros andando pela calçada. Não vi brigas nem confusões.

Peguei logo a fila e fui um dos primeiros a entrar no estádio. Fiquei bem na linha central do gramado, no fundo, perto das cabines de rádio. Fazia um calor terrível, na premilinar os garotos de Vasco e Fluminense se matavam em campo. Apesar da arquibancada branca ser neutra, a predominância absoluta era rubro-negra.

De maneira geral, o lado esquerdo é da torcida organizada do Vasco e o direito da organizada do Flamengo. Mas a primeira a chegar foi a cruzmaltina. A torcida estava bem compacta, ocupava cerca de 30% do Mário Filho. É uma galera que merece respeito, elas cantam muito forte e chamaram atenção com bandeiras e letreiros em homenagem ao Edmundo, a grande esperança deles para vencer o Mengão.

Mas quando a Raça Rubro-Negra chegou, putz, o estádio veio abaixo. Os caras não param um segundo sequer, incrível. Na preliminar o Vasco perdeu nos pênaltis. A essa hora a torcida do Mengão já lotava tudo, mais de 62 mil pessoas cantando clássicos da história de conquistas rubro-negras. Entoavam também várias músicas novas que eu não conhecia. Quando o time entrou em campo foi uma explosão: balões brancos, amarelos, muitas bandeiras, camisão gigante estendido. Cada jogador teve seu nome cantado.

E começa o jogo. O Fla jogava melhor, até que saiu o gol do Vasco. Mas antes de terminar o primeiro tempo, o xerifão Fábio Luciano empatou. No intervalo a torcida não parou, cantava o tempo todo:

- Ôôô vamos virar mengô! Ôôô vamos virar mengô!

No segundo tempo, pênalti pro Vasco. Edmundo na cobrança, logo ele. Bruno defende. A torcida explodiu:

- Puta que pariu, é o melhor goleiro do Brasil, Bruno!

Daí pra frente só deu Flamengo, até que o Ronaldo Angelim virou o jogo. O estádio tremeu. Eu nunca tinha visto nada parecido. Todo mundo pulando, gritando, cantando, papéis, fogos, bandeiras, balões, histeria completa. Foi um momento que transcende qualquer narração, um show inexplicável.

- A torcida do Flamengo é assombrosa, disse um turista gaúcho embasbacado.

Depois foi só festa. O jogo terminou e a torcida não ia embora. O momento mais engraçado foi quando os jogadores foram comemorar com a torcida e dançaram o "funk do créu". Acho que fui o único que não dancei, todo estádio fez a dancinha ordinária. Engraçadíssimo.

Esperei um pouco até sair do estádio. Parece um rio de gente, a correnteza vai levando o povo. Voltei a sentir medo, saída de estádio é sempre complicada. Vencedores e perdedores se provocam. Ônibus nem pensar. Táxi todos ocupados. Depois de 20 minutos achei vaga num coletivo e fui pra rodoviária. Cheguei às 19:14h e vi no painel que às 19:15h tinham um ônibus saindo pra São Paulo.

Cruzei a rodoviária feito Léo Moura invadindo a zaga vascaína. Consegui chegar a tempo. A passagem de R$75,00 dá direito a um saquinho com biscoitos e um suco. Minha salvação, o primeiro lanche do dia. Deitei e relaxei relembrando os lances da partida. Chegando à rodoviária de São Paulo, foi só esperar mais quatro horas no chão até o metrô começar a operar.

Já em casa, deitado na cama, poucos segundos antes de dormir, a conclusão que cheguei é que viajar sozinho de São Paulo pro Rio, só pra vê o Flamengo jogar, é uma loucura. Mas afinal de contas, valeu a pena: Flamengo vence de virada e vai à decisão da Taça Guanabara 2008. Eu estava lá.

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2 comentários:

  1. E as atualizações :b

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  2. Estava eu passando pelo seu blog e tenho certeza que vi uma assombração, acho que ele tá abandonado a muito tempo, olha q as teias de aranhas vão tomar de conta

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